Ramsés Eduardo Pinheiro
Professor de História
Advogado do SINDSERM-Teresina
Há exatamente cinco décadas, os
militares, com o apoio de civis integrantes das oligarquias locais e o
empresariado nacional, tomaram o poder, depuseram o Presidente da República e
instauraram uma Ditadura Militar que perduraria por 21 anos. O Golpe Militar de
1964 impôs um silenciamento forçado aos sindicatos, Ligas Camponesas,
movimentos sociais e partidos políticos, destruindo tais organizações ou
intervindo nas mesmas, como foi o caso das entidades sindicais.
A historiadora Lucília Delgado
postula que o Golpe Militar assumiu um caráter preventivo para seus
organizadores, uma vez que os anos que o antecederam foram marcados por uma
intensa mobilização social que teve como centro a crescente organização dos
trabalhadores do campo e da cidade. No Piauí, os primeiros anos da década de
1960 foram de intensa mobilização dos trabalhadores. Em 1961 os realizou-se o I
Congresso Sindical de Trabalhadores e Camponeses do Piauí, em 1961-62 são
criadas as Ligas Camponesas no Estado que rapidamente ganham forte expressão
nas lutas no campo, em 1963 os trabalhadores do campo e da cidade realizam uma
grande marcha em Teresina e Campo Maior em comemoração ao 1º de maio Dia dos
Trabalhadores, em 1963 também é organizada a Frente de Mobilização Popular no
Piauí, organização que levantou a bandeira das reformas de base no Brasil. Outros
setores também apresentaram forte grau de organização como foi o caso da seção
piauiense da União Brasileira dos Servidores Postais e Telegráficos - UBSPT e a
União Piauiense dos Estudantes Secundaristas - UPES.
A crescente força dos trabalhadores
já se colocava em tal nível que as classes dominantes se organizavam para deter
esta onda. Neste sentido, as Forças Armadas já se articulavam através da Escola
Superior de Guerra - ESG, ao passo que determinado setor de civis
organizavam-se no Instituto Brasileiro Ação Democrática – IBAD que recebeu
financiamento dos Estados Unidos. O Golpe Militar foi amplamente orquestrado
para fazer cessar a crescente organização dos trabalhadores e, assim, evitar as
transformações nas estruturas da sociedade brasileira a exemplo da reforma
agrária.
Na madrugada do dia 31 de dezembro
de 1964, foi deflagrado o Golpe Militar. No Piauí, a ofensiva dos militares não
ocorre ao mesmo tempo do Golpe a nível nacional, o que ainda permite que a
Frente de Mobilização Popular realize uma passeata até o Palácio de Karnak,
sede do governo estadual, no dia 02 de abril. Petrônio Portela, governador do
Piauí neste período, manifestou-se inicialmente a favor da legalidade, todavia,
tendo o golpe obtido êxito, Petrônio assume a controvertida posição de apoiar o
novo regime. No dia 04 de abril de 1964, a Guarnição Federal de Teresina reuniu
a impressa para comunicar as primeiras prisões efetuadas na Capital, que
recaíram principalmente sobre os comunistas tais como José Pereira de Sousa, o
Zé Ceará, Honorato Gomes Martins e outros. No dia 06 de abril, a referida
Guarnição publica nota comunicando a prisão de mais militantes como José
Ribamar Lopes e José Esperidião Fernandes, maior liderança camponesa do Estado.
Nos dias que se seguiram foi desencadeada a “Operação Limpeza” que promoveu a
prisão de cerca de 100 pessoas, sobretudos, trabalhadores, que foram
encaminhadas em sua maioria para o 25º BC.
Nacionalmente, Jango se exila do
país em 04 de abril e Castelo Branco, primeiro presidente militar, assume o
governo em 15 de abril de 1964. As primeiras medidas de exceção do novo regime
vêm em 09 de abril com o Ato Institucional nº 1 que suspende os direitos
políticos dos opositores do regime por dez anos, institucionalizando, ainda, as
eleições indiretas para Presidente da República. No Piauí, os presos políticos
ficaram incomunicáveis e somente em 12 de abril é aberto um Inquérito Policial
Militar para apurar os crimes contra a “segurança nacional” praticados por
estes trabalhadores. Em 23 de maio de 1964, o militar encarregado do IPM de
Teresina apresenta seu relatório indiciando a maioria dos presos políticos nos
crimes previstos na Lei 1802/1953, ou seja, nos “crimes contra o Estado e a
Ordem Política e Social”. Os militantes indiciados enfrentaram um duro processo
judicial militar na 10º Auditoria Militar do Ceará que perdurou até 1971 no
Supremo Tribunal Militar, perdendo seus empregos e qualquer possibilidade de
continuarem na militância política.
Os 21 anos de Ditadura Militar sustentavam-se
em uma política de violação dos direitos e humanos e extermínio dos seus
opositores através de torturas e assassinatos, além de privar os familiares dos
presos de concederem um funeral digno a seus entes queridos. Em 1979, já sob o
declínio da Ditadura abalada pelas greves operárias da região do ABC paulista, foi
elaborada uma Lei de Anistia em que o Regime Militar se auto-anistiou, pois, nenhum
militar foi responsabilizado por seus crimes. O Governo Federal do PT não
avançou na responsabilização dos militares envolvidos nos casos de tortura, uma
vez que a Comissão da Verdade não tem a atribuição de apurar os crimes
cometidos pelos militares na época da Ditadura.
A reparação para aqueles que foram
vítimas da Ditadura Militar é algo imprescindível para que o Estado brasileiro possa
assumir que destruiu a vida de milhares de militantes e trabalhadores nos 21
anos de vigência dos Governos Militares. Mais do que isso, a reparação também
representa um reconhecimento do Estado em relação aos militantes e às
organizações que resistiram à Ditadura e lutaram pela sua derrubada. Contudo, a
reparação aos perseguidos políticos e torturados pelo Regime Militar deve estar
acompanhada pela responsabilização dos militares que violaram os direitos
humanos dos presos políticos através da tortura e do assassinato e que ainda
estão vivos e impunes. Para tanto, é necessários que o Governo pressione as
Forças Armadas para abrir todos os arquivos da Ditadura Militar.
Neste
sentido, merece elogio a iniciativa da Arquidiocese de São Paulo que, através
do Projeto “Brasil Nunca Mais” realizou um grande levantamento dos processos
judiciais militares, denunciando os casos de tortura através de um extenso
relatório. Mais ainda é necessário que os governos e Forças Armadas abram os
arquivos da Ditadura Militar. Além de contribuir para a escrita da história
deste tortuoso período no Brasil, os documentos destes arquivos subsidiarão as
denúncias e processos contra os militares que sustentaram o regime através da
tortura e continua violação dos direitos humanos.
É
preciso ressaltar que o Golpe Militar de 1964 foi deflagrado pelos militares
com o apoio das oligarquias estaduais e do empresariado nacional, apoio este
que já foi objeto de diversos estudos. O legado da Ditadura Militar se expressa
todos os dias através da intensa repressão e criminalização dos movimentos
sociais. Neste sentido, nesses 50 anos do Golpe Militar é preciso lembrar-se
daqueles tristes eventos do dia 31 de março de 1964 para que a história não se
repita: “Ditadura nunca mais” este foi o brado dos trabalhadores e
trabalhadoras neste dia de luta contra o autoritarismo.
Comentários
Postar um comentário